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Depois de um dia mau pode haver um céu estrelado. O meu reino.
Muito se tem dito sobre a morte de duas crianças que a própria mãe terá levado rio adentro. Muitas opiniões, extremadas, quase todas, sobre a mãe assassina, ou o pai molestador, ou ambos. Tudo muito à flor da pele. Eu resisti muito a ver e a escrever sobre o assunto. Sinto-me triste, vazia, revoltada. Tenho imensas perguntas a matraquear dentro da cabeça. Sinto pena misturada com raiva. Agarro os meus filhos ainda com mais força, encho-os de beijos e penso "a mãe nunca vos faria algo de semelhante." Tenho muita dificuldade em encontrar desculpa para o acto: uma mãe, supostamente, matou as suas filhas. Não há desculpa. É horrível, é demasiado absurdo e cruel. E durante algum tempo fico presa nesta angústia imensa, nesta raiva mal contida. Mas confesso que a minha maior ira vai para o sistema. Os que é suposto proteger vivem envoltos numa teia burocrática que só termina quando algo de mau acontece. Não sei se esta mãe era ou não vítima de maus tratos. Não sei se o pai abusou ou não das crianças. Mas dizem-me as notícias que a queixa foi feita e que as crianças estavam sinalizadas, termo pomposo que de nada serve. O que se passa neste país? Andamos todos a dormir? Situações de mulheres mortas pelos companheiros mesmo depois das queixas e das condenações por maus tratos são mato. Há uns meses, dois gêmeos de 3 anos foram apanhados num parque infantil, às duas da manhã, por um estranho que os levou para casa e chamou a polícia. Tudo gente sinalizada. Tudo gente esquecida. E o que fazem as autoridades? Como é que é suposto isto acontecer? Não se ver para além da superfície das coisas? Se a mãe mentia não viram? Se as crianças estavam sinalizadas e a mãe deprimida não se fez nada? Se o pai abusava não se avançou? Vivemos num país onde todos apontam o dedo, onde todos sacodem a água do capote quando a coisa aperta e o de todos gostam de um certo protagonismo mas sem grande responsabilidade.
O que eu realmente acho é que devíamos parar. Pensar. Ver o país que temos, a sociedade que construímos... E deprimir.