... foi em Fevereio de 2005 com a notícia da minha doença. Nunca falámos seriamente sobre esta sua morte. Mas eu sei que ele emagreceu quase 10kg em um mês e que se fechou num quarto durnate dias, tamanha era a sua revolta. Nessa altura começaste a morrer-me pela primeira vez. À data não me consegui aperceber do teu desaparecimento, porque estava, eu própria, a tentar não morrer, a ter forças para lutar pela minha vida, por ti na minha vida, pela mãe, pelo Filipe, pelo Henrique... por todos nós. Pela nossa família.
Como podia ser possível que a tua filha pudesse não mais sair do hospital? Como é que conseguirias sobreviver-me pai? Eu sei que foi isto que pensaste e que disseste. Não a mim. A mim ias-me visitar todos os dias. A mim nunca mostraste uma única lágrima, a mim acompanhaste-me a todas as sessões de radioterapia. E tu começaste a morrer porque me sentiste ir... porque tiveste medo que, mais ano menos ano, eu te voltasse a fugir.
Não sei porque nunca falámos seriamente sobre isto. Talvez porque nem sempre é preciso falar para saber e para sentir. E nisso, pai, nós somos peritos. Uma troca de olhares entre nós vale mais que mil palavras.
Por isso hoje, que me começaste a morrer pela segunda vez, não consegui olhar-te nos olhos. Apenas te vi de longe, da porta da sala e não te consigo dizer o que senti. Não penses que te falto, porque estou sempre ao teu lado, porque tomarei conta da mãe, na medida que me for possível. Mas entre nós e as palavras ficará sempre a nossa troca de olhares, e eu não posso substituir isso por um último olhar de desespero. Desculpa mas não sou capaz.
Para mim ficará sempre aquele sorriso que me lançaste ontem antes de eu sair da tua sala.