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Depois de um dia mau pode haver um céu estrelado. O meu reino.
Hoje, por razões várias, vi-me forçada a pensar num assunto que mexe comigo e sobre o qual já falei várias vezes, mas que nunca é demais relembrar. O perigo dos fundamentalismos.
Não vou trazer a esta discussão os de carácter religioso ou político. Vou apenas concentrar-me nos fundamentalismos que mexem connosco, mulheres e mães, pessoas empenhadas em fazer o melhor possível pelos seus filhos, mesmo que tropeçando e errando aqui e acolá.
A meu ver o fundamentalismo para com os filhos começa antes de eles o serem, quando a mulher se vê julgada e condenada em praça pública quando e se decide pôr termo a uma gravidez. Para mim, a mulher que aborta, salvo casos muito raros, está perante uma decisão difícil, que nunca esquecerá. Enfrenta uma dor grande, gigantesca. É como uma ferida aberta no coração. Sara, cicatriza, mas basta um pequeno esforço para ela voltar a sangrar. Basta um dia triste, uma roupa, um cheiro, o nascimento de outro bebé, uma ida à maternidade, o aniversário da fatídica data... Basta viver para carregar essa dor.
Mas há os fundamentalistas da vida. E para esses a mulher que aborta é uma criminosa. Matou ao não permitir que uma vida se gerasse.
Depois temos os fundamentalistas da amamentação. E para esses mãe que não amamenta é uma criminosa que não zela pelo bem-estar do seu filho; é uma egoísta que coloca a estética do seu corpo acima da saúde do filho. Sim, porque as crianças amamentadas são mais fortes, e saudáveis, e bonitas, e felizes, e resilientes, e tudo e tudo.
No extremo oposto temos os fundamentalistas que se escandalizam com a amamentação. Porque é feio, e grotesco, porque ninguém deveria estar sujeito à agressão de ver uma maminha em público, mesmo que de relance. Ver um grande decote ou um rabo quase de fora não tem mal nenhum. Já uma mãe a amamentar...cruzes credo.
Depois, se tivemos o bom senso de não abortar e a criança sobreviveu à amamentação, temos de atravessar calvário da educação. Do gritar, da palmada... E aí entramos num campeonato completamente diferente no que ao fundamentalismo e aos seus perigos diz respeito. Podemos ser a mãe banana e permissiva, que dá liberdade a mais à criança ou, se ousarmos dar-lhe duas ou três valentes palmadas em publico, passamos rapidamente a ser a mãe agressora e criminosa, que ouve insultos, que é maltratada e ameaçada. E aqui o caso muda de figura porque os maus tratos infantis são crime público. Quer isto dizer que basta um fundamentalista na rua para uma mãe desesperada que perdeu as estribeiras e espetou duas ou três palmadas no filho, passar rapidamente a uma criminosa que vai, com quase toda a certeza, ser chamada a tribunal. E o que acontece nestes casos?
Fundamentalismos à parte, ter filhos é a melhor coisa do mundo. Mas no mundo actual, onde todos se julgam detentores da verdade absoluta e do juízo moral perfeito, pode também significar um perigo enorme. E isso arrepia-me e dá-me muito medo.