Depois de um dia mau pode haver um céu estrelado. O meu reino.
por Princesa das estrelas
Faz hoje 8 anos era Terça-feira. Faz hoje 8 anos vivi o dia mais longo da minha vida. Arrisco-me a dizer, embora não tenha a certeza, que foi também o dia mais longo da vida dos meus pais, do meu irmão, da minha sogra, do meu marido e talvez até de alguns amigos. Há precisamente 8 anos eu entrava num bloco operatório sem saber em que condições de lá sairia. Foram 8 ou 9 horas de operação, na qual me removeram estômago e baço para além de várias cadeias de gânglios linfáticos. Um tumor agressivo, repetia o meu médico. Mas que iria operar para curar. Lembro-me de estar na maca, lembro-me do elevador cinzento, dos olhares esperançosos que se cruzaram com o meu, do sorriso da anestesista do frio insuportável da mesa de operações.
Lembro-me de não ter medo (esse só veio depois, quando me apercebi da gravidade do tumor), lembro-me de pensar no meu bebé, na altura prestes a completar nove meses... Lembro-me de pensar que queria ser eu a sua recordação de mãe. Até podia morrer, mas não naquele momento, não antes de ele ter memória de mim.
E depois, bem, depois está tudo disperso na minha memória, como um mata borrão: a mão do meu marido na minha cara, os meus pais, o meu irmão, as vozes... E depois as dores, misturadas com o cheiro a café da sala das enfermeiras, o ruído da rádio, os passos no corredor, os sussurros, o cheiro da comida que eu não podia comer... E mais tarde, passados uns dias, os meus amigos, as fotografias que o meu marido tirava diariamente ao nosso bebé e afixava num quadro de cortiça que havia no quarto do hospital, as dores, as noites que eram intermináveis... A minha companheira de quarto que ressonava como se não houvesse amanhã...
Foi um processo, um longo processo, que me marcou mas que não me matou.
Há oito anos eu comecei uma nova contabilidade. Passei a ter sobrevida. É assim que os médicos falam de quem teve um tumor tão agressivo como o meu (T3N1M0). Dois anos? Cinco anos? Já cá cantam 8. Se tenho medo? Tenho! Se tenho dias maus em que penso que estou novamente doente? Tenho. Mas são momentos, pinceladas num quadro muito maior e mais bonito que é a minha vida. Uma vida onde também há felicidade, amor, partilha, alegrias... Uma sobrevida bem vivida.
Por tudo isto o dia que hoje se comemora é para mim muito mais do que o Dia Internacional da Mulher. Ou talvez não. Talvez faça apenas com que a data tenha ainda mais significado.
Agora vou ali tentar ser feliz.
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