Vidas de infortúnio
Assim se chama o texto assinado por Catarina Cristão na última ediçao do semanário Sol. A notícia promete ser importante, já que tem chamada à primeira página e anuncia contar a história dos quatro portugueses mortos no Chile.
A mim, que sou uma pessoa crente na capacidade dos jornalistas, pareceu-me que iria ver no interior do jornal um perfil dos quatro amigos (coisa que me parece ainda não ter acontecido, pelo menos não na mesma publicação).
Mas não, nada disso, o que Catarina Cristão nos traz é, longe de ser uma bela peça de prosa, ou mesmo um belo texto jornalístico, um pedaço de lixo. Uma vergonha.
Nao é um texto ofensivo para as famílias, nao tenta apontar pormenores sórdidos das vidas destes quatro amigos. Mas, a meu ver, é ainda pior, do ponto de vista jornlístico. E vejamos se me consigo explicar, porque a minha indignação é tao grande que tenho receio que me tolha o raciocínio.
Para começar, cara Catarina, gostava de saber qual é o seu ponto de vista nesta notícia. Onde está o seu lead? qual é o seu objectivo? Dar-nos informações concretas sobre a morte deles não é, porque não nos dá novidades: pode ter sido o mau tempo. Sim, pode. Mas também pode não ter sido. Não é dizer-nos quando serão os funerais ou quando os corpos poderão chegar a Portugal (pode ser hoje ou amanha, diz você referindo-se a sexta ou sábado). Ora eu, assim como grande parte dos amigos da Zé, da Cláudia, do César e do André sabemos que é mentira e sabemos quando é que eles chegam. (Informou-se mal...)
Então o que a move, se não o sentido de informar o leitor?
Só encontro uma resposta: o sensacionalismo usando o seu mais vil disfarce: o de um suposto trabalho sério e algo poético sobre a morte de "colegas" de profissão.
O que lhe importa não é a morte destes quatro amigos, pessoas que valem o mesmo, em termos de vidas humanas. Por mais que gostasse da Cláudia, sei que a morte dele é tao estúpida como a da Zé, a do César ou a do André. É igualmente brutal, é igualmente inexplicável.
Isto para mim, porque para si a coisa é diferente. Para a sua brilhante mente (de resto tão brilhante quanto a do editor que permitiu a publicação do texto em questão), o quer importa é o grau de desgraça que cada uma destas pesoas coleccionava antes de morrer.
Vejamos: a Zé tem honras de abertura e destaque não por ser a pessoa extraordinária que decerto era, mas porque já não tinha pai nem irmão, deixando a sua mãe sozinha neste mundo.
Não se atrapalhem no entanto, diz-nos a Catarina Cristão, porque, e passo a citar, "a mãe é uma pessoa muito espiritual e terá recebido a notícia com alguma serenidade." A sério? Acha mesmo normal que isso tenha acontecido Catarina? ainda bem que nos deu esta informação.
A segunda pessoa em destaque é o César. e porquê? Porque na contabilidade das mortes estava à frente dos outros. Já tinha perdido o pai e a mãe.
O César é, para si, mais importante que a Cláudia que, nesta contabilidade mórbida, só podia reclamar a morte do pai. Ah, isto se "uma irma gravemente doente" não for suficiente...
O André, o mais novo dos quatro, tem direito a três linhas nesta pela peça. Já adivinharam, por certo. Tem pais e irmaos vivos. Que desperdício...
É triste, revoltante, este tipo de jornalismo.
Eu já não tenho carteira profissional e, confesso, fiquei especialmente aliviada por não a ter. Porque, no momento em que li esta notícia, senti uma enorme vergonha pelas pessoas que me são muito queridas e que são jornalistas. Jornalistas à séria, não como você, Catarina.
P.S- No destaque do seu texto aparece "Maria estava com medo..". quem é Maria? Se não sabe, para os amigos ela era Zé. Quer ser poeta, escreva um livro. Quer fazer bonito a escrever? Então leia o texto da Fernanda Câncio na edição de 26 de Novembro do Diário de Notícias e aprenda como se pode fazer bonito, escrevendo bem.
ACTUALIZAÇÃO:
- Como se não bastasse o facto da notíca por si já ser grave eis que sou informada que os pais do César não morreram. Inacreditável. Inacreditvável. O que se pode dizer deste tipo de jornalismo?