por Princesa das estrelas
Esta quarta-feira, pela primeira vez em muitos anos, não desci a Avenida. eu, que nem era nascida no 25 de Abril, sempre gostei do ritual de descer a Avenida. De me encontrar com a Margarida, com o Bruno, com a Lena... às vezes o Ricardo. Não esquecer a data, mesmo que dela não tenhamos memória directa. Assim penso. Foi essa vontade de não esquecimento que me levou, por exemplo, a descer a Avenida há dois anos, depois da primeira semana de quimioterapia. A teimosia de celebrar. Quando olho para essas fotos até sinto um arrepio. Eu era uma sombra do que sou agora, sendo que o que sou agora também é, de certa forma, uma sombra do que já fui. Mas isto para dizer que nem a doença me afastou da Avenida.
Esta quarta-feira, no entanto, não a desci. e nem uma vez me ficou um sentimento de vazio ou de dever não cumprido. Esta quarta-feira voltaste a sair do hospital e contigo lá fomos nós, em romaria. A casa de um primo. Devias querer sentir o ar fresco na cara, ver os pinheiros a baloiçar. Foi um dia em cheio. Muito cansativo. Para ti e para todos nós, principalmente para o mano, que tem de te acompanhar todos os minutos: medicar, aspirar, alimentar.... se não é fácil para nós, imagino para ele...
Mas lá fomos, com as crianças atrás, com o farnel para o almoço, com um verdadeiro dispositivo para te acompanhar... e eu, pela primeira vez, não senti falta do meu passeio pela Avenida.
Tu estavas muito dividido, entre a alegria de estar fora do hospital e a insatisfação por essa saída ser tão breve. Querias ficar em casa até domingo. Tudo o que vias, tudo o que sentias vi nos teus olhos que te dava alegria. Mas também senti que te deixava triste, porque, no fundo, estavas a contactar com uma normalidade da qual não podes desfrutar. Como se te estivessemos a mostrar tudo o que a vida pode ter de bom e, de seguida, te dissessemos que, infelizmente, não o podes viver.
No final do dia achei-te particularmente cansado. Para te dizer a verdade, todos nós estávamos esgotados. Estamos felizes por te ver e por te ter, mas estamos sempre alerta, e isso cansa, consome.
Ao entrares na clínica lá estava a lágrima pronta a sair... o teu semblante voltou a fechar-se. Mas eu senti-te forte e queria dizer-te que tu foste o meu melhor 25 de Abril.